terça-feira, 29 de agosto de 2017

Carta reveladora de um catequista


Recebemos a carta de um catequista e decidimos publicá-la anonimamente. 

Caro catequizando,

Escrevo para lhe dizer que sua presença faz falta.

Sua presença era muito importante durante a catequese, mas agora só existe uma cadeira vazia onde antes havia uma pessoa incrivelmente valiosa.

Sinto saudade de sua cara de dúvida quando eu fazia uma pergunta mais difícil.

Sinto saudade de ver suas sobrancelhas unidas à procura da resposta que nem sempre vinha no tempo pedido.

Sinto saudade de sua alegria espontânea que brotava de alguma situação divertida e até eu ria também, embora devesse muitas vezes segurar o riso para dar exemplo.

Sinto saudade de seu cansaço quando você contava os minutos para dar a nossa breve uma hora. Nessa parte, a culpa era toda minha e confesso a Deus minha falta.

Se eu pudesse, ficaria evangelizando por duas horas. Lembra quantas vezes eu “ameacei” estender o tempo, se não conseguisse terminar? Nunca fiz isso a sério. Era só para que todos cooperassem, “por bem ou por mal”, como se costuma dizer.

Eu tentei de todos os modos ir atrás da “ovelha perdida”.

Convidei você via redes sociais ou pessoalmente inúmeras vezes. A doença era a principal das desculpas para se safar. Tomara que sua saúde física não fique frágil por causa das mentiras...

Pedi para que seus responsáveis fossem avisados e tive a ocasião de conversar diretamente com os pais, mas não senti firmeza. Os pais em muitos casos estão mais desorientados que os filhos. Tragicamente é essa a verdade.

Mas eu quero lhe contar um segredo. Eu também parei a catequese na sua idade. Estava na Perseverança, mas não perseverei. Fui a alguns encontros e a catequista era muito enjoada.

Será que você abandonou por esse motivo? Eu já pensei nisso inúmeras vezes. No meu medidor de enjoo, eu tentava remediar com chocolates, balas e brincadeiras para pescar o peixe com isca. Não deu certo com você... infelizmente!

Eu nunca me esqueci do dia que conversei com minha mãe para me dispensar de ir à catequese. Ela não deu muita atenção e somente respondeu: se você não quiser mais, tudo bem.

Oh, como eu maldigo esse dia. Eu percebi em minha alma uma mudança. Era a tristeza. Eu fiquei triste quando tomei essa decisão. No fundo, no fundo, eu havia abandonado a Deus com plena vontade pela primeira vez.

Passaram-se cinco anos. Dos doze aos dezessete. Cinco anos longe da Igreja e longe de Deus. Que anos duros e difíceis. Cinco anos sem a Eucaristia e sem a confissão dos meus pecados. Cinco anos sem a Santa Missa. Sem ouvir a Palavra de Deus. Sem rezar direito. Sem cantar músicas de Igreja. Sem louvar a Deus. Cinco longos anos de inverno espiritual. Quantas coisas eu sofri e, ao mesmo tempo, penso de quanto mal seria poupado, se tivesse permanecido fiel, se tivesse perseverado.

“Inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em Ti”... como Santo Agostinho entendia das coisas. Assim que eu me encontrava: inquieto. Meu coração só teve repouso quando descansou no peito de Jesus como São João o fez na Última Ceia.

O fardo do mundo é destruidor. O fardo de Cristo, pelo contrário, “é leve, é suave” como diz a Palavra. Quem dera se minha mãe tivesse sido dura comigo e me obrigado a ir. Pelo menos por um período até que, forçado, minha boa vontade surgisse de novo e eu pudesse seguir adiante, suportando ou aceitando melhor minha nova catequista.

Mas não é a minha vida que importa. É a sua vida, caro catequizando. Graças a Deus o meu tempo de afastamento foi abreviado e, com dezessete anos, tive meu encontro pessoal com Jesus vivo. Se Ele não tivesse tomado a iniciativa, que seria de mim? Não sei... trata-se de um desígnio insondável da misericórdia infinita de Deus.

Saiba que, mesmo ausente de nossos encontros, quando faço a chamada e olho para seu nome, a saudade aperta o peito. Eu me recordo da oração de Jesus: “Pai, não perdi nenhum de todos os que me deste”.

Fico pensando se não fui o culpado por você ter ido embora... é uma dor que incomoda. Fiz o que estava ao meu alcance para que ficasse?

Para terminar, quero contar outra história. Jesus, quando falou sobre a Eucaristia pela primeira vez, perdeu muitos discípulos (Jo 6, 41-71).

Após a debandada geral, Ele olha para os Doze e os questiona. “Vocês também querem ir embora?”. São Pedro, impulsivo e enérgico, quebra o silêncio e faz a profissão de fé mais bela antes da Paixão: “A quem iremos nós, Senhor? Só tu tens palavras de vida eterna!”.

Para onde você está indo, caro catequizando? Qual o caminho você decidiu trilhar? O que leva à porta estreita da salvação ou à porta larga da perdição? Por que você abandonou a Igreja, a Esposa tão amada de Jesus? Somente Jesus tem palavras de vida eterna. Somente Jesus pode nos dar o Céu. Somente Jesus pode nos dar a felicidade.

Você não quer uma vida plena? Em abundância? Cheia de alegria? Pois então! Siga a Jesus! Ele não promete uma caminhada fácil nesse mundo... fala de cruzes e tribulações. Mas o sofrimento faz parte de nossa condição humana.

Ninguém pode evitar totalmente a dor. Uma hora a cruz será colocada à frente da sua porta, você tem duas escolhas: carregar a cruz com Jesus que lhe dará força ou ser esmagado pelo peso da cruz.

“No mundo haveis de ter aflições. Coragem! Eu venci o mundo!”.

Volta para casa do Pai. Estamos esperando por você de braços abertos.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Os morticínios liberais e a Igreja perseguida



Embora se costume reclamar (com razão) que a tendência ideológica esquerdista reinante na academia leva a certo inaceitável silêncio acerca dos genocídios cometidos pelo comunismo, a verdade é que não é tão difícil, mesmo entre meios não conservadores, que se admita, ainda que de modo tímido e dourando a pílula, que tais atrocidades ocorreram. A própria narrativa do “deturparam Marx” pressupõe que o socialismo real trouxe algo de que alguém deveria se envergonhar (e, portanto, para salvar Marx, seria preciso afastá-lo disso).

Mais raro do que encontrar informação minimamente precisa sobre os genocídios comunistas é receber notícia das atrocidades e morticínios cometidos por liberais. Com efeito, o liberalismo cresceu nutrido pelo sangue de seus adversários, principalmente, dos que professam a fé católica (representantes por excelência da mentalidade pré-moderna). Lembro aqui apenas alguns exemplos:

I) As primeiras revoluções liberais na Inglaterra. A Inglaterra é a pátria primeva do liberalismo e também o berço de um cruel projeto institucional de extermínio dos católicos. Tudo começou com a Reforma da Igreja da Inglaterra, promovida por Henrique VIII (antes de tudo, para satisfazer sua volúpia). O odioso monarca exigiu à força a submissão de todas as autoridades civis e eclesiásticas à nova ordem religiosa, em que ele próprio passava a ser o chefe da Igreja. Todos os que se recusaram a apostatar de sua fé católica e de sua lealdade ao Papa foram executados por alta traição (entre os quais o mais famoso foi São Thomas More). Henrique VIII confiscou todos os bens da Igreja e tomou para si as vastas terras dos mosteiros, destruindo-os por completo (até os engenhosos maquinários inventados pelos monges para a agricultura, cujo aproveitamento teria adiantado a Revolução Industrial em duzentos anos), em ação que deixou cerca de quinhentos monges assassinados. Entre religiosos, ministros, bispos, abades, professores universitários e cidadãos, o número de mortos se aproximou de mil.

A tentativa de Maria I de restaurar o catolicismo fracassou devido à sua morte prematura. Sua irmã Elizabeth I (hoje unanimemente alcunhada na Inglaterra de “Good Queen Bess”) se notabilizou por concluir a obra iniciada por Henrique. Já proibida a prática pública da fé católica, ela, com as chamadas leis elisabetanas, baniu o culto católico secreto e perseguiu todos os que se mantinham fiéis à religião tradicional. Por crimes como assistir à missa, esconder um padre ou se recusar a assistir aos cultos anglicanos, milhares foram executados pelos tribunais ingleses do modo mais cruel. As missões jesuítas foram perseguidas, e muitos foram exterminados. Converter alguém ao catolicismo ou ordenar um sacerdote eram crimes de alta traição. Essa bondosa rainha também consumou a conquista da católica Irlanda, com um cerco que, somado a execuções de grandes fazendeiros, causou uma terrível fome, levando mais de um milhão de irlandeses à morte, um autêntico genocídio silenciado na história. A Inglaterra jamais se desculpou ou sequer se pronunciou sobre o evento.

Jaime I foi o responsável pela elaboração sistemática de uma teologia anglicana. Em polêmica contra os grandes teólogos católicos São Roberto Belarmino e Francisco Suárez, defendeu que a submissão à autoridade do rei é primordial em relação em submissão de fé à Igreja. A obediência primeira ao Estado supera a fé religiosa, princípio básico do anglicanismo e até hoje sustentado pelos liberais ingleses (mesmo pelos mais conservadores, como Roger Scruton). Seu neto Jaime II procurou reabilitar os católicos, permitindo-lhes o exercício de cargos públicos e militares e buscando a revogação de algumas das leis que lhes denegavam direitos básicos. A Revolução Gloriosa, em 1688, celebrada como a primeira revolução liberal, não foi senão uma reação do establishment anticatólico contra a fé do rei. Eis o primeiro ato liberal da história: uma revolta contra a liberdade religiosa concedida por um monarca católico.

Assumiu o trono, alguns anos depois, a rainha Anne, filha de Jaime II, responsável pela consolidação definitiva das leis penais contra os católicos. Aos súditos da Igreja de Roma era proibido adquirir armas ou terras, exercer o comércio ou qualquer tipo de empreendimento; não poderiam herdar de um protestante, e sua herança deveria ser obrigatoriamente repartida entre um número grande de herdeiros; era vedada a existência de qualquer instituição de ensino católica, e enviar crianças ou jovens a instituições católicas no exterior era crime de altíssima gravidade; católicos tampouco podiam lecionar em instituições protestantes; era-lhes vedado suceder ao trono ou tomar parte na Família Real ou exercer qualquer cargo público. Como se vê, uma legislação que nada deixa a dever às leis do nazismo contra os judeus. Durante séculos, essa situação foi vista com normalidade e defendida pela intelectualidade liberal inglesa. Com efeito, John Locke, considerado o patriarca do liberalismo, afirmava expressamente que a tolerância era devida a todos os indivíduos, exceto aos católicos, que são “naturalmente intolerantes”.

II) A Revolução Francesa. Poucos eventos recebem aplauso tão unânime quanto a Revolução Francesa. Com seu belo lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, é aclamada como a mãe dos direitos civis e políticos, dos direitos humanos e do constitucionalismo. É o grande marco do iluminismo progressista. Enquanto os altos ideais liberais eram proclamados em voz ressonante, o dia-a-dia concreto da Revolução foi a primeira cascata de sangue moderna, a primeira ancestral das tantas que jorrariam no século XX, pelas mãos de Hitler, Stalin e Mao.

Movidos por um mortal ódio anticristão, inflamado pelos discursos violentos dos intelectuais iluministas, como Voltaire e sua trupe, os revolucionários de 1789 promoveram uma intensa descristianização à força da sociedade francesa. A Assembleia Nacional confiscou toda a propriedade da Igreja e suprimiu todos os conventos e monastérios. Quase todas as igrejas foram tomadas e saqueadas. Várias catedrais e capelas antiquíssimas, joias da arquitetura gótica, foram completamente destruídas. Imagens religiosas foram decapitadas, vandalizadas e reduzidas a pó. Em cinco anos, sobraram algumas poucas igrejas abertas em toda a França. O Culto da Razão e do Ser Supremo foi estabelecido como religião civil do Estado francês. O calendário gregoriano foi abolido, bem como o domingo como dia de descanso. Todas as localidades com nomes religiosos foram rebatizadas e todas as festas de santos foram proscritas. A Constituição Civil do Clero obrigava todos os padres a prestar juramento ao governo e não ao Papa. Todos os clérigos que se recusassem eram executados ou exilados na Guiana. Cerca de trinta mil sacerdotes foram exilados e outros milhares foram mortos. Em algumas cidades, estabeleceu-se como espetáculo público amarrar padres e freiras e afogá-los. Criou-se o crime de fanatismo, pelo qual aquele que praticasse a sério a fé católica se tornava réu de morte. Conventos inteiros de religiosas foram guilhotinados por esse crime (as mais famosas são as mártires Carmelitas de Compiègne).

Os habitantes da região da Vendeia, ao sul do Vale do Rio Loire, se insurgiram contra tais atrocidades. Um grupo exclusivamente popular, composto por camponeses, se recusou a se alistar no exército revolucionário e instaurou ali um regime de fidelidade a Deus e à monarquia. O Comitê de Salvação Pública enviou maciças tropas com a ordem de destruir a Vendeia. Toda a região foi arrasada, todas as fazendas e plantações foram dizimadas, as florestas foram incendidas, as vilas foram arruinadas e absolutamente todos os habitantes, inclusive as crianças, as mulheres, os idosos e os doentes, foram mortos. Pode-se, sem exagero, relacionar esse massacre a um expurgo stalinista. Em menos de três anos, Robespierre, o mais sanguinário dos revolucionários, matou mais gente do que a maioria dos mais trágicos eventos da história. Ainda assim, todos somos obrigados a ouvir generosos elogios à Revolução Francesa em salas de aula, num grave insulto à memória dos que a sofreram e num vilipêndio íntimo à fé dos católicos.

III) Kulturkampf. O liberalismo não encontrou terreno muito fértil na formação da Alemanha. Os povos germânicos do norte foram unificados sob a mão de ferro do ditador Otto von Bismarck, nacionalista e centralizador. Mesmo assim, houve, ao menos, uma ocasião em que os representantes do iluminismo alemão fizeram um pacto com Bismarck. Foi na concepção da Kulturkampf, uma política iniciada em 1871 com o objetivo de expurgar a influência política da Igreja Católica na Prússia. Promotores da separação Estado-Igreja e enxergando nos católicos um atraso pré-moderno, os liberais aderiram em peso ao projeto do chanceler e foram a grande base de apoio e de capital político que viabilizou a ação.

A maioria liberal nas Casas Legislativas prussianas aprovou uma série de leis anticatólicas. As ordens religiosas foram expulsas do país, e quase todos os mosteiros e conventos foram fechados; metade dos bispos prussianos foi presa ou exilada; um quarto das igrejas ficou sem sacerdote; metade dos monges e freiras deixou o país; cerca de mil e oitocentos padres foram presos ou exilados; milhares de cidadãos leigos foram presos por ajudar os clérigos; as escolas católicas foram tomadas pelo Estado, e nenhuma instituição religiosa tinha permissão para administrar uma casa de ensino; os tribunais eclesiásticos foram privados de seus poderes disciplinares sobre o clero, em favor dos tribunais civis; a formação de padres passou a ser controlada pelo Estado, que lhe definia o currículo.

A situação foi mais delicada na Polônia, alvo particular do ódio nacionalista de Bismarck, bem como do desprezo dos liberais, para quem esse povo católico era a encarnação da inimizade ao progresso. Ali, a Kulturkampf não cedeu mesmo após o seu fim oficial em todo o Estado prussiano, mantendo-se um programa institucional que previa a remoção de poloneses de todo o cargo público, o controle do clero e a germanização de todo o ensino nas escolas públicas. As autoridades prussianas prenderam cento e oitenta e cinco padres poloneses, inclusive o arcebispo primaz, e exilaram centenas de outros, e os poucos restantes tinham que exercer seu ministério na clandestinidade. A nação polonesa vivia subjugada entre essa política prussiana e, em sua porção oriental, o arrocho do czar russo, que impunha medidas semelhantes. O governo cesaropapista russo se concertava diplomaticamente com Bismarck e recebia a aprovação dos liberais. Nada como defender a liberdade enquanto aplaude uma tirania clerical sufocar a independência religiosa de uma nação inteira...

IV) A Revolução Mexicana. Outro xodó da historiografia é a Revolução Mexicana, com sua Constituição de 1917. Celebrada como a continuação da Revolução Francesa, tal Carta Magna foi a primeira no mundo a prever os direitos sociais. Assim como a tomada da Bastilha fora o marco inicial dos “direitos de primeira geração”, o México saía na vanguarda dos “direitos de segunda geração”. Em verdade, a Revolução Mexicana guarda uma continuidade com a Francesa também na sua faceta sangrenta. “Os direitos sociais” esconderam tantos litros de sangue inocente quanto os seus primos civis e políticos.

A legislação mexicana já possuía um toque anticlerical herdado da revolução liberal de 1857. A Constituição de então atacava os direitos de propriedade e as posses da Igreja. A Lei Fundamental de 1917 inaugurava um anticlericalismo radical, realmente inspirado no terror francês. Foi proibido que membros da Igreja exercessem atividades de ensino; a estrutura eclesiástica foi posta sob o controle do Estado; toda a propriedade da Igreja foi posta à disposição do Estado; as ordens religiosas foram proibidas; foi proibida a entrada de padres estrangeiros; foi dado poder a cada estado de limitar o número de sacerdotes autorizados naquela região; negou aos padres o direito de votar ou de exercer função pública; vedou-lhes oficiar cerimônia religiosa ou vestir as vestes clericais fora dos locais de culto; denegou a qualquer cidadãos o direito a julgamento por violação de qualquer dessas normas.

Em 1924, chegou ao poder o fanático ateu Plutarco Elías Calles, que acrescentou sua própria legislação anticlerical. Proibiu de sacerdotes de trabalharem sem uma licença prévia do Estado. Oficiais estaduais começaram a limitar o número de padres autorizados, de modo a deixar vastar regiões sem clérigos; todos os bens da Igreja foram expropriados; todos os bispos foram exilados ou permaneceram escondidos; centenas de sacerdotes foram mortos. Calles aplicou todas as leis anticatólicas com perfeito e doentio rigor. Os católicos se rebelaram contra o jugo do regime e deram origem à chamada Guerra dos Cristeros, contra o governo. As tropas anticlericais trataram de exterminar tão impiedosamente quanto possível os cristeros, matando até mesmo as crianças, depois de instar cada um, sob tortura, a abandonar a fé. Foi, talvez, a maior produção de mártires da história da Igreja (alguns famosos já foram elevados aos altares, com o menino José Sánchez del Río, de apenas quatorze anos, morto barbaramente pelos soldados depois de se recusar a apostatar). Cerca de trinta mil cristãos foram mortos no conflito. De quatro mil e quinhentos padres que trabalhavam no país, depois da guerra sobraram apenas trezentos e trinta e quatro, estando os demais entre foragidos, exilados e executados. A legislação de supressão da Igreja continuou a viger. Até 1940, ela não existia juridicamente; não tinha quaisquer propriedades; não tinha escolas, conventos ou mosteiros; não podia incorporar clérigos estrangeiros; não podia ser representada judicialmente; os padres não podiam trajar as vestes clericais ou votar; eram proibidas as cerimônias religiosas públicas. Por sua atitudes contra a Igreja Católica, Calles foi honrosamente condecorado pela maçonaria.

V) Guerra Civil Espanhola. O discurso oficial sobre a Guerra Civil Espanhola desenha Franco como o grande vilão da história. Franco é o caso espanhol do ditador fascista (análogo a Mussolini ou a Hitler), que lutou contra os “iluministas” “republicanos”, que buscavam “modernizar” a Espanha, tirando-a do Antigo Regime e soprando sobre ela o frescor das ideias vanguardistas. No máximo, alguém mais “isentão” reconhece que “houve erros dos dois lados”.

A história, porém, não é bem assim. A Segunda República ascendeu ao poder invocando os valores da liberdade e se inspirando nas revoluções iluministas na França e nos EUA, apoiada pelos notáveis intelectuais liberais do país na época e vista com bons olhos pelas mais finas democracias liberais do mundo, na América e na Europa, prometendo reformar a política nacional rumo à modernidade e à democracia. Como sempre, os belos jargões liberais são invocados para significar implicitamente a destruição violenta das instituições tradicionais, particularmente a Igreja Católica. A Segunda República assumiu um ódio anticlerical traduzido na edição gradativa de leis de perseguição: a ordem dos jesuítas foi dissolvida; toda a propriedade da Igreja foi nacionalizada; foi proibido o ensino religioso nas escolas.

A perseguição pela violência explícita e gratuita começou nas Astúrias em 1934, quando trinta e sete padres, religiosos e seminaristas foram sumariamente assassinados por agentes do governo. Cinquenta e oito igrejas foram destruídas naquela localidade. A partir de 1936, os assassinatos públicos, sem justificativa nem julgamento, se tornaram política oficial. Em quase toda a Espanha, a polícia caçava nas ruas membros do clero e pessoas católicas em geral e executava sumariamente. Quem fosse revistado e pego com um terço no bolso podia ser imediatamente abatido. Casas de famílias reconhecidamente praticantes eram invadidas, e as pessoas eram presas ou mortas. Os que não eram executados imediatamente eram jogados em prisões e submetidos a horrendas condições, comiam excremento, não tinham acesso a mínimas civilidades sanitárias, entocavam-se multidões em espaços diminutos, onde mal podiam se mover, e as execuções aleatórias mantinham o pavor e a tortura psicológica constantes. Isso, repita-se, era feito pela própria autoridade pública, não por grupos guerrilheiros independentes. Dezenas de milhares de pessoas foram mortas nessas circunstância. A maior parte dos óbitos do período não se deu nas batalhas da guerra civil, mas nessas execuções sumárias no meio da rua. Mosteiros, conventos e igrejas foram profanados e queimados. O número total de crentes mortos varia entre cinquenta e cem mil (dos quais cerca de sete mil clérigos, incluindo alguns dos principais bispos espanhóis).

Franco era a única liderança capaz de concentrar em torno de si uma frente ampla o suficiente para combater os mafiosos republicanos. Nesse cenário, os cristãos foram obrigados a aderir a Franco na guerra. Não se tratou aqui de fazer um “cálculo pragmático” ou de escolher o “mal menor”. Era muito mais radical do que isso: Franco ou morrer. Não “Franco ou morrer porque as políticas econômicas da esquerda acabariam levando à miséria e blablablá...” mas, diretamente, “Franco ou morrer imediatamente, exterminado pela polícia, em qualquer lugar, a qualquer momento”. Nem em seus piores momentos a repressão da ditadura franquista fez coisas semelhantes às que se viram no terror republicano.

O liberalismo é o totalitarismo da tolerância.

Esse artigo foi escrito pelo Gustavo França. Ele ministrará um curso excelente sobre "O que é o Direito?", vale a pena conferir (clique aqui).

terça-feira, 8 de agosto de 2017

O Santo Terço diante de Deus


Evite cuidadosamente fazer o que certa piedosa, mas cabeça dura senhora de Roma fez. Ao pedir a São Domingos que lhe aconselhasse sobre sua vida espiritual ela pediu-lhe que a ouvisse em confissão. Por penitência, ele lhe mandou que rezasse um Rosário completo e aconselhou-a que o rezasse diariamente.

Ela disse que não tinha tempo para rezá-lo, desculpando-se e dizendo que tinha que fazer as Estações de Roma, todo dia, que vestia roupas de sacas, camisas de cilício, que tomava disciplina sobre si várias vezes por semana, que tinha tantas outras penitências e que jejuava bastante.

São Domingos a aconselhou novamente e várias outras vezes a seguir seu conselho e rezar o Rosário, mas ela continuava a recusar. Ela saiu do confessionário, horrorizada pela tática de seu novo diretor espiritual, que arduamente lhe persuadia a seguir a devoção que não era de seu agrado.

Mais tarde, quando ela estava orando, caiu em êxtase, e viu sua alma se apresentando diante do Trono do Julgamento de Nosso Senhor. São Miguel pôs todas as suas penitências e outras orações em dos pratos da balança e todos os seus pecados e imperfeições no outro. O prato das boas obras ficou grandemente suspenso sem conseguir equilibrar ao outro dos pecados e imperfeições.

Cheia de espanto, ela clamou por misericórdia, implorando o auxílio da Santíssima Virgem, sua graciosa advogada, que pegou o único Rosário que ela tinha rezado por aquela penitência e o pôs no prato das boas obras. Só este único Rosário era tão pesado que pesava mais que todos seus pecados e também suas boas obras.

Nossa Senhora, então, repreendeu-a por não ter seguido o conselho de seu servo Domingos e por não ter rezado o Rosário diariamente. Logo que voltou a si, correu e se pôs aos pés de São Domingos e lhe disse o que acontecera, implorou seu perdão por não ter acreditado e prometeu rezar o Rosário fielmente todos os dias. Por este meio ela se elevou à perfeição cristã e finalmente à glória da vida eterna.

Extraído do livro O segredo admirável do Santo Rosário, de São Luís Maria Grignion de Monfort.

São Domingos e os demônios


No pequeno livrinho "O segredo admirável do Santo Rosário para se converter e se salvar" (clique aqui para ler), narram-se as glórias dessa insigne devoção. Escrito por ninguém menos que São Luís Maria Grignion de Monfort. Nesse dia, dedicado a São Domingos, queremos trazer uma das histórias maravilhosas que o autor do Tratado da Verdadeira Devoção nos deixou:

Quando São Domingos estava pregando o Rosário perto de Carcassona, trouxeram à sua presença um albigense que estava possesso pelo demônio. São Domingos o exorcizou na presença de uma grande multidão de pessoas [1]; parece que mais de doze mil pessoas tinha vindo ouvi-lo pregar. Os demônios que possuía este infeliz foram obrigados a responder às perguntas de São Domingos, com muito constrangimento.

Eles disseram que:
1- Havia quinze mil deles no corpo deste pobre homem, porque ele atacou os quinze mistérios do Rosário.
2- Eles continuaram a testemunhar que, quando São Domingos pregava o Rosário ele impunha medo e horror nas profundezas do inferno e que ele era o homem que eles mais odiavam em todo o Mundo, isto por causa das almas que ele arrancou dos demônios através da devoção ao Santo Rosário.
3- Eles então revelaram várias outras coisas.

São Domingos colocou seu Rosário em volta do pescoço do albigense e pediu que os demônios lhe dissessem quem de todos os santos nos Céus, eles mais temiam, e quem deveria ser, portanto, mais amado e reverenciado pelos homens. Neste momento, eles soltaram um gemido inexprimível no qual a maioria das pessoas caiu por terra, desmaiando de medo. Então, usando de esperteza, a fim de não responder, os demônios começaram a chorar e prantear numa maneira tão deprimente que muitos da multidão começaram a chorar também, movidos por compaixão natural.

Os demônios falaram através da boca do albigense, com uma voz dolorida: “Domingos! Domingos! Tenha piedade de nós, nós prometemos que nós nunca o machucaremos. Você sempre teve compaixão pelos pecadores e aqueles que estão na miséria; tenha piedade de nós, pois estamos padecendo. Já estamos sofrendo tanto, por que você se compraz em aumentar as nossas penas? Não pode se dar por satisfeito só com o nosso sofrimento, sem ter que aumentá-lo? Tenha piedade de nós! Tenha piedade de nós!”

São Domingos não se mostrou nem um pouco movido de compaixão por estes espíritos, e lhes disse que não os deixaria a sós até que eles respondessem a pergunta. Então eles disseram que iriam sussurrar a resposta de tal forma que apenas São Domingos seria capaz de ouvi-los. Ele disse que deveriam responder claramente e em alta voz. Então os demônios se mantiveram quietos e se negaram a dizer uma só palavra, desconsiderando completamente as ordens de São Domingos que ajoelhou-se e rezou à Nossa Senhora: “Oh, toda poderosa e maravilhosa Virgem Maria, eu vos imploro pelo poder do Santíssimo Rosário, ordene a estes inimigos da raça humana que me respondam.”

Havia apenas terminado de orar, quando viu a seu lado uma chama ardente sair dos ouvidos, narinas e bocas do albigense. Todos tremeram de medo, mas o fogo não machucou ninguém. Então os demônios disseram: “Domingos, nós te imploramos, pela paixão de JESUS CRISTO e pelos méritos de Sua Santa Mãe e de todos os santos, deixe-nos sair desde corpo sem que falemos mais, pois os Anjos responderão sua pergunta a qualquer momento. E além do mais, não somos nós mentirosos? Então por que haveriam de crer em nós? Não nos torture mais; tenha piedade de nós.” “Pior para vocês, espíritos desgraçados e indignos de serem ouvidos”.

São Domingos ajoelhou-se e rezou a Nossa Senhora: “Oh, digníssima Mãe da Sabedoria, oro pelas pessoas aqui reunidas que já tinham aprendido como rezar a Saudação Angélica devotamente. Por favor, eu imploro, forçai vossos inimigos a proclamar a verdade completa e nada mais que a verdade sobre isto, aqui e agora, diante desta multidão.” São Domingos mal tinha terminado esta oração quando viu a Santíssima Virgem perto de si, rodeada por uma multidão de Anjos.

Ela bateu no homem possesso com um cajado de ouro que segurava e disse: “Responda ao meu servo Domingos imediatamente.” (Lembre-se que as pessoas nem viram ou ouviram Nossa Senhora, mas somente São Domingos.) Então os demônios começaram a gritar: “Oh, vós, que sois nossa inimiga, nossa ruína e nossa destruição, por que descestes do Céu só para nos torturar tão cruelmente? Oh, Advogada dos pecadores, vós que os tirais das presas do inferno, vós que sois o caminho certeiro para os Céus, devemos nós, para nosso próprio pesar, dizer toda a verdade e confessar diante de todos quem é que é a causa de nossa vergonha e nossa ruína?”

“Oh, pobre de nós, príncipes da escuridão: então, ouçam bem, vocês cristãos: a Mãe de JESUS CRISTO é todo-poderosa e ela pode salvar seus servos de caírem no inferno. Ela é o Sol que destrói a escuridão de nossa astúcia e sutileza. É ela que descobre nossos planos ocultos, quebra nossas armadilhas e faz com que nossas tentações fiquem inúteis e sem efeito Nós temos que dizer, porém de maneira relutante, que nem sequer uma alma que realmente perseverou no seu serviço foi condenada conosco; um simples suspiro que ela oferece à SANTÍSSIMA TRINDADE é mais precioso que todas as orações, desejos e aspirações de todo os santos”.

“Nós a tememos mais que todos os santos nos Céus juntos e não temos nenhum sucesso com seus fiéis servos. Muitos cristãos que a invocam quando estão na hora da morte e que seriam condenados, de acordo com o nossos padrões ordinários, são salvos por sua intercessão. Oh, se pelo menos essa Maria (assim era na sua fúria como eles a chamaram) não tivesse se oposto aos nossos desígnios e esforços, teríamos conquistado a Igreja e a teríamos destruído há muito tempo atrás; teríamos feito que todas as Ordens da Igreja caíssem no erro e na desordem”.

“Agora, que nós somos forçados a falar, também lhe diremos isto: ninguém que persevera ao rezar o Rosário será condenado, porque ela obtém para seus servos a graça da verdadeira contrição por seus pecados e por meio dele, eles obtêm o perdão e a misericórdia de Deus.”

Então São Domingos fez com todos rezassem o Rosário bem devagar e com grande devoção, e algo maravilhoso aconteceu: a cada Ave Maria que ele e o povo rezava, um grande grupo de demônios saia do corpo do infeliz, em forma de brasas acesas. Quando os demônios foram todos expulsos e o herege se viu inteiramente livres deles, Nossa Senhora (que ainda se mostrava invisível) deu sua benção ao povo reunido, e eles se encheram de alegria por isto. Muitos hereges se converteram por causa deste milagre e ingressaram na Confraria do Santíssimo Rosário.

[1] N.T. Este incidente é referido por S. Luís no “Tratado da Verdadeira Devoção à SSma. Virgem” quando ele explica que aqueles que amam a Nossa Senhora não se perdem. Cf. parágrafo 42.