terça-feira, 17 de outubro de 2017

Um breve resumo da teologia da libertação


Trata-se de um tema complexo e que comporta matizes mais sutis do que os que sou capaz de descrever aqui. Porém, penso que, seguindo o discernimento de São João Paulo II, nos atentos documentos de seu pontificado sobre o tema, podemos distinguir dois grupos de correntes do que se chama de teologia da libertação: um não marxista e um marxista.

Tanto numa vertente quanto na outra, a teologia da libertação tem origem na América Latina, a partir de uma realidade muito gritante num continente subdesenvolvido: a gravíssima miséria que flagela boa parte da população, diante da ausência de soluções institucionais para um drama multitudinário. Como Leonardo Boff disse certa vez, a teologia da libertação vem responder à pergunta fundamental “como anunciar o Evangelho a quem está morrendo de fome?”. Uma pessoa que se vê obrigada a dedicar quase todas as suas energias à obtenção do que lhe supre as necessidades corporais mais básicas parece oferecer um desafio quanto ao modo pelo qual a realidade da fé é capaz de introduzir-se e enraizar-se em sua existência.

Atentas a isso, as vertentes não marxistas da teologia da libertação propõem que a solução das gravíssimas questões sociais devem receber uma prioridade pastoral na vida da Igreja. Em regiões pobres, a Teologia deve se voltar, antes de tudo, para a ação política e para os problemas sociais, de modo a, criando-se paulatinamente uma estrutura social impregnada de justiça cristã, fertilizar o terreno para o florescimento da mensagem do Evangelho. Os pobres, tesouro de Cristo, devem estar no centro de nosso tratamento pastoral, e o alívio de suas dores deve ser a fonte da caridade que há de inundar as almas na intimidade com Jesus. Esse primeiro modelo de teologia da libertação não só não foi condenado pela Igreja, como recebeu elogios dos Papas São João Paulo II e Bento XVI, e o Papa Francisco pode ser considerado ele próprio um seu membro.

Uma segunda linha de teólogos crê não ser necessário construir um novo instrumental teórico para expressar a prioridade da questão social uma vez que tal instrumental já se encontra, estruturado de modo científico, no marxismo, bastando purificá-lo de suas rixas com a religião.

Quando se traz o marxismo para as bases da teologia cristã, as relações socioeconômicas passam a constituir o núcleo explicativo de toda a realidade, e todos os dons naturais e sobrenaturais, antes integrados à criação e à revelação, se tornam superestrutura. A prioridade da ação social deixa de ser uma opção pastoral concreta e se transforma numa autêntica inversão da própria doutrina. Encher a barriga dos pobres e lutar pelas políticas que (supostamente) trarão a plena igualdade é aquilo que Jesus quer de nós, e nada mais. As velhas devoções, os ritos, as penitências e a vida contemplativa são herança de um tempo em que a alienação nos cegava para a verdadeira mensagem de Cristo, encarnada na classe social marginalizada ao nosso lado.

A vida de oração perde importância. O tesouro devocional que a Igreja guardou durante milênios é agora uma ninharia sem relevo para a verdadeira fé. Os sacramentos são desprezados. A graça e a amizade com Deus não vêm mais dos sinais divinamente instituídos ou de nossas disposições interiores, mas de nossa dedicação ativa à causa material dos pobres. O cristianismo é um modelo de ação: é preciso ajudar os necessitados. Só isso. Esse é o único imperativo. O Evangelho inteiro está contido aí. A esperança da vida eterna é beatice dos alienados. O novo cristianismo dos teólogos da libertação constitui uma reedição invertida da Torre de Babel, não mais para subir da terra ao Paraíso, mas para fazer o Paraíso descer à terra.

A Sociologia é a nova chave do Novo Testamento. Cristo é um ator social; Sua pobreza é uma classe e não mais uma humilde virtude; Sua morte na Cruz não é um sacrifício salvífico que libertou toda a humanidade do pecado, mas um resultado da opressão e da luta de classes; Sua redenção é para os pobres, para libertá-los do jugo dos ricos e não para todo o orbe, para libertar-nos das trevas de um mundo sem Deus.

A desgraça é evidente. O abandono da oração e dos sacramentos leva à deterioração da vida espiritual. O coração fecha-se a Deus e tenta preencher o vazio com uma atividade incessante, que mantenha a alma distraída e presa à terra. As referências religiosas se tornam mero simbolismo sentimental que serve de motor ao trabalho social. Mundanizada até a religião, a vida materializa-se por completo e se imerge na realização de um programa político, sem qualquer sentido sobrenatural. Cristo é expulso do cristianismo e pode ser substituído por qualquer modelo de ativista. A mensagem levada aos pobres já não é a de Deus – pois não têm Deus para levar – mas simplesmente a da satisfação dos anseios carnais. O que se iniciou com uma avidez legítima de anunciar Deus aos excluídos termina num crime contra Deus e contra os pobres. Quando o veneno do marxismo, que esconde por trás de sua “metodologia científica” o materialismo, o imanentismo e o ateísmo, é injetado na teologia cristã, frauda as verdades da revelação, corrói os fundamentos da graça e destrói a fé.

Por Gustavo França.

Leia seu outro artigo no blog, "Os morticínios liberais e a Igreja perseguida", clicando aqui.

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